sábado, 23 de outubro de 2010

A ÉTICA UNIVERSAL DE PAULO FREIRE: LEITURAS, INQUIETAÇÕES E TRILHAS A PERCORRER


 
Na aula da Professora Gilcia do dia 17/08/10 ,ela explicou o conceito de ética universal de Paulo Freire.


Resumo: Este artigo discute o conceito de ética universal de Paulo Freire nas múltiplas dimensões e abordagens que este conceito e tema comporta.  Seguindo as linhas de uma tradição ensaísta o autor tece argumentações, levanta indagações, aponta caminhos, deixando assim em aberto as trilhas que ainda se deve percorrer para se compreender em toda a sua justeza os condicionamentos ético-morais presentes na obra e na vida do educador Paulo Freire.
Palavras-chave: ética, moral, educação, emancipação.


Introdução

A multifacetada obra de Paulo Freire trata também de questões ético-morais, ponto. E estas questões (também outras) devem ser debatidas e apreendidas dentro da constelação de seus conceitos, do contexto de seu pensamento complexo e que esteve sempre em construção e passível de análise dentro do seu inscrever-se histórico (Scocuglia, 2001)
A atualidade do pensamento freireano, tão pouco estudado e compreendido, nos deixa seguros o bastante para afirmar da sempre necessária retomada das suas discussões – muitas apenas entrevistas, esboçadas, mas presente com todo o vigor no seu pensamento-ação.
O tema que estamos abordando tem sido estudado e debatido, de forma intermitente e sob diversas abordagens. Um dos autores que mais tem tratado do mesmo é Kholberg, ainda que com um foco mais estreito e preciso: o desenvolvimento ético-moral, com repercussões tanto no campo da psicologia, quanto da pedagogia. A abordagem kholbergiana é a cognitivo-estruturalista, que surge como contraponto a duas outras abordagens correntes e contemporâneas: o relativismo ético e a “moral das virtudes” (Canastra, 2003). Desde então, com o renascimento do debate e da investigação neste campo, surgem outras abordagens como a do enfoque narrativo, de Bolívar. (idem, ibidem), entre outras tantas, que não cabe neste exíguo espaço abordar.
Nas suas últimas obras, notadamente em Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da Indignação, Freire de modo incisivo esboça os traços daquilo que ele mesmo nomeou de ética universal.
Esta constância da inquietação ética de Paulo Freire suscitou em Calado (2003) a afirmação corajosa de que ele levava “tão a sério a questão ética, a ponto de, em última instância (já que uma se acha ligada à outra, mas não são a mesma coisa) preferi-la à dimensão política”.
Em um mundo marcado pelas malvadezas de uma ética do mercado, denunciadas por Freire; pelas violências de toda sorte, é necessário retomar esta temática, que não somente interessa aos pedagogos, mas a todos os cidadãos preocupados com uma ação-intervenção no mundo que resgate a eticidade, a boniteza, a dignidade de homens e mulheres (parafraseando Freire, com a devida licença).
É, pois, o propósito deste artigo a análise do que se pode conceber como um esboço de construção, infelizmente inacabada – a ética universal de Paulo Freire.
Leituras, inquietações e delimitação do tema

Li, numa dessas tentativas de aproximação com os clássicos da nossa literatura, o prefácio de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Escrito pelo general e historiador Nelson Werneck Sodré, este preâmbulo traça com todo vigor o retrato moral[1] do "velho Graça". Ele não poupa palavras para descrevê-lo. E destaca, em meio às análises propriamente literárias, os traços do seu caráter - a sua generosidade de espírito, sua lucidez e integridade moral. Em um trecho ele afirma ser Graciliano Ramos "Grande artista e homem lúcido e equilibrado". Noutra parte ele comenta sobre a gratidão que todos os de sua geração lhe devem “por ter permanecido puro e íntegro, como homem e como artista, não só diante da adversidade, que lhe foi tenaz e constante, como diante do sucesso”. Referindo-se ao valor desta sua obra máxima, Sodré sintetiza: “Suas memórias representam, assim, a derradeira oferta de um espírito sereno e justo”.Por fim, ele considera como características que exaltariam a própria consciência humana a “honradez, a serenidade, o equilíbrio”, próprios do autor de São Bernardo.
Este homem que amargou injustamente a prisão, sem razão que a justificasse, a não ser o rigor e a honestidade de homem público foi, como todos sabemos, funcionário da Instrução Pública de Alagoas. Ao seu modo, sem comungar com ascordialidades e jeitos próprios do brasileiro, cultivou um rigor ético que assombrava os seus contemporâneos, ainda mais quando se referia às suas lidas com as coisas públicas.  Eis-nos, pois, diante dele e do seu prefaciador, de homens idealistas e cumpridores de seus deveres, cujas biografias são um atestado de bons serviços prestados ao país e à boa moral.
Tratando-se ou não de uma exceção em meio aos seus pares, os traços morais, o caráter ou as virtudes deste grande escritor nos chama a atenção. Sua ação como intelectual, aliás, se aproxima do que Rouanet define como sendo um “intelectual universalista”[2] (Freitag, 1999) e esta definição de intelectual se aproxima do papel que também cabe ao educador, sujeito ético inserido no mundo em busca e com vocação a ser mais, conforme o pensamento freireano. Inserido no mundo, como ser inacabado e não determinado, cabe ao educador fazer-se a si mesmo, na relação e comunhão com o outro, ao mesmo tempo em que se propõe a construir com este  o seu próprio “si mesmo”. E como tão bem aponta Calado (2003)
pelo trabalho transformador de si, do mundo e da história, em direção aos utópicos rumos da Liberdade, também cuida de tornar o seu cotidiano um mostruário do seu projeto, empenhando-se em que suas práticas sejam capazes de sinalizar o tipo de sociedade e de mundo que se acham comprometidos em construir.

O que nos inquieta é saber como forjar, pois, um homem com inegáveis qualidades morais, como o Graciliano Ramos. Por certo, não surgem homens assim, por obra do mero acaso. Qual o papel das instituições socializadoras primárias – família, escola, religião – neste processo? Em que forjas se moldam, utilizando-nos da metáfora do ferro[3] de João Cabral de Melo Neto, tais caracteres? Que artistas e que materiais são necessários para a composição destes personagens? Os professores tomariam como objeto-sujeito da formação ético-moral a si mesmos, os seus alunos ou a ambos, em um processo simultâneo e complementar? Como, pois, construir este sujeito ético de que fala o próprio Paulo Freire? Como ele se situa na relação professor-aluno-mundo?
O conceito de Ética Universal

Postura ética e competência profissional são conciliáveis, indissociáveis e mesmo o mercado exige que estes elementos se entrelacem, pois que a ética do mercado[4], já citada, entende não ser mais possível fragmentar o homem sem que paguemos, por conta disso, pesados tributos...
De que ética, afinal, trata Freire, em seus últimos escritos; mais propriamente, que podemos compreender como sendo a sua ética universal?
Taylor, filósofo e professor de Ciência da Educação na Universidade de Rennes 2, na França, em palestra intitulada A Ética Universal e a Noção de Valor, nos ajuda a situar o objeto de debate nos seguintes termos (Taylor, 2003):
Qualquer discussão sobre ética e valores precisa ser situada em algum lugar entre a condição coletiva de vida e a condição de cada indivíduo, entre o que é universal e o que é particular ao indivíduo, entre o passado e o futuro, entre o que deriva do intelecto e da compreensão (Vernunft e Verstand de Kant) e o que se origina no sentimento e na percepção.
As éticas, pois de que trata Taylor em sua instigante reflexão acaba por lançar luz sobre o pensamento freireano e sua particular visão da ética universal. Ao tornar a ética plural (éticas) Taylor quer dar um tratamento polifônico ao tema e para tanto elege duas abordagens distintas para fazê-lo – o da lógica, da distância, da objetividade, configurado no que ele dominou de conhecimento solar; em contraposição ao seu antípoda, face aos limites desta forma de conhecimento, aoconhecimento lunar, marcado por aquilo que é apreensível mas nem sempre nominável, portanto abrindo espaço “para o conhecimento que advém do silêncio, da convivência, da intuição, da poesia, de experiências que não são menos verdadeiras por serem sem palavras”. (idem, ib.)
Em contraposição ao conhecimento solar, verificável, funcional, seguro, imerso nos claros do dia, há o conhecimento lunar, que “emerge da fonte da iluminação refletida e reflexiva”. (idem, ib.)
Para seguirmos de perto o fio de raciocínio de Taylor, principalmente quando se ele aproxima de Paulo Freire e do seu pensamento, transcrevo seus argumentos:
Parte dele [do conhecimento lunar] nos é acessível apenas em certos momentos e sob certas condições. O resto, e talvez sua parte mais ampla, está velado, é inclusive inacessível à visão normal. É aí que estão os reais conhecimentos da intuição, do sofrimento, do contentamento, do instinto. Além das palavras, além do pensamento, na absoluta fragilidade e vulnerabilidade do humano.
Aqui se imbrica o pensamento de Taylor e o de Freire, quando é dito que: “O conhecimento lunar é uma ‘aprendizagem de nossa incompletude’, de nosso inacabamento (...) ‘Nossa conscientização de nosso inacabamento nos faz seres responsáveis, daí a noção de nossa presença no mundo como ética’” (Taylor, 2003).
Por fim, Taylor define a natureza da ética freireana como uma “visão engajada do inacabamento ético” (idem, ib.), que Freire definiu filosófica e poeticamente em Pedagogia da Autonomia nas seguintes palavras (Freire, 1996, p. 64):
... estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem "tratar" sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.
As inquietações de caráter ético em Freire, que pressupõem o estabelecimento de “critérios de conduta e de ação” (Calado, 2003), estão integrados, articulados dentro de um conceito de ação do homem no mundo, em que imbricam os conhecimentos solar e lunar da proposição de Taylor, mais a dimensão estética, sempre presente na vida-e-obra freireana.

Leituras sobre a Ética Universal de Paulo Freire

O imenso legado de Freire só não é maior que as múltiplas abordagens que a sua obra tem merecido, nos mais diversos quadrantes do planeta, por pensadores de diversas áreas.
Uma destas abordagens, que foca mais especificamente a ética universal, sem trair a concepção libertadora e os princípios gerais do pensamento freireano, é a que podemos vislumbrar junto à Federação Internacional de Sindicatos de Trabalhadores da Química, Energia, Minas e Indústrias Diversas (2003), que no seu projeto pedagógico e em sua prática educativa toma por base os seguintes quesitos, ipsis litteris:
  • O Respeito pelo saber meu e do outro;
  • A Lealdade;
  • Deve ser isenta de qualquer preconceito;
  • Em momento algum devo julgar;
  •  Deve levar à eliminação da discriminação de sexo, gênero, raça, classe, idade, condição social;
  • Sempre considerar a "Individualidade", a "Diversidade" (Entre: pessoas complexidade social mulher e homem corpo, mente emoção, espiritualidade);
  • Desenvolver com "Simplicidade Humildade";
  • Levar sempre em consideração a LIBERDADE (minha e do outro);
  • Ter sempre como pressuposto a "Ternura e o afeto";
  • Levar a construção de relações de "Solidariedade".
Como se pode perceber, as virtudes que são exigidas ao ato de ensinar e aprender não são poucas. E como propõe Freire (1996, p. 17) deve-se lutar por uma “ética inseparável da prática educativa”. E esta luta se manifestará na prática diária; para tanto é necessário “testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles” (idem, ibid.). A nossa práxis educativa, em sua incessante e dialógica interação saber-prática, teoria-ação, não deve senão aspirar à plenitude e à inteireza de todos os seus contornos, planuras e saliências, de todos os seus aspectos, incluso aqui o ético-moral; de nossa inserção e presença no mundo do outro e com o outro.
Por outro lado e para evidenciar as múltiplas dimensões que a tarefa docente nos convida e impõe, Freire afirma ser inerente ao papel do educador “não apenas ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo” (op. cit., pg. 29). Este pensar certo, por sua vez remete a uma busca de leitura da realidade que deve permanecer vinculada à pureza, à rigorosidade ética e deve ser também geradora de boniteza, logo tem uma dimensão estética e criadora. Lógica, ética e estética, desta forma, se entrelaçam, indissociáveis no contexto mais amplo das concepções singulares do pensamento freireano.
Homens probos – evocações e indagações

Os comunistas da velha geração tinham preocupações claras com o caráter, com as virtudes, como bem expressa Hobsbawm (2002, pg. 182) ao referir-se aos operários ingleses, com os quais conviveu mais diretamente durante a Segunda Guerra:
Em linhas gerais durante o tempo em que estive com os sapadores convivi com operários (...) e com isso adquiri uma admiração permanente (...) por sua inteireza, sua desconfiança em relação a mentiras, seu sentimento de classe, camaradagem e ajuda mútua. Eram pessoas boas. Sei que os comunistas devem acreditar nas virtudes do proletariado, mas senti-me aliviado por constatar isso na prática, tanto quanto na teoria.

Ainda às voltas com os comunistas históricos há também um caso que merece ser citado, narrado por Buñuel, cineasta espanhol, em Meu Último Suspiro, obra autobiográfica. Em resumo o diretor de Um Cão Andaluz viaja de trem durante toda uma noite em companhia de uma bela camarada do Partido e evocando o comportamento moral que seria esperado de umbom comunista teria ele renunciado a qualquer forma de sedução...
Os velhos comunistas tinham lá os seus credos e práticas, que remetiam, fosse nas leituras ou nas ações práticas, à construção permanente de sujeitos éticos, tais como os descritos.
É de se indagar se não devemos acreditar nas influências e virtualidades do embasamento ético-moral que deve permear as ações pedagógicas, na relação professor-aluno; se não devíamos investir mais tempo, coração e inteligência para desvendar como se trama, se tece, se constrói este ator pedagógico (o educador), que à semelhança dos atores em cena do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, vive e convive em contextos de permanentes questões e dilemas ético-morais, de conflitos que somente o criar e o recriar constante de rumos e trajetórias novos permitem solucionar; que tal como ainda Boal propõe no seu teatro situações-limites, problemas, conflitos, resolvem-se não apenas acionando os dispositivos da razão, mas antes se colocando por inteiro, íntegro, nas questões a solucionar, para amorosamente se buscar o fim provisório, a superação do conflito momentâneo, o desfazer dos nós, para que a trama das relações possa continuamente ser tecida.
As indagações que suscitam tais evocações nos remetem à questão da formação dos professores, que não pode prescindir de leituras, debates e outros meios de modo a levar adiante o seu fazer pedagógico com rigorosidade, mormente quando se trata da construção coletiva do sujeito ético em convivência e comunhão com os alunos.

A formação dos professores ou “quem educa o educador”?


Na perspectiva da ética universal de Freire, que fundamentos ético-morais os educadores devem tomar como orientadores da sua ação pedagógica, da sua ação no mundo? E se orientado por quaisquer que sejam estes fundamentos, estes atuarão como pré-requisito, como complemento ou como mero ingrediente do seu fazer pedagógico cotidiano?
Na perspectiva que vimos tecendo, a ética como elemento fundante e permeante do ato de educar/educar-se, tangencia também a formação de professores.
Franco (2003) nos afirma que as práticas voltadas à formação dos professores devem permitir que eles possam refletir e produzir tanto os seus saberes como os seus valores. Reflexões epistemológicas e axiológicas em si e por si podem não se fazer indicativo de procura, de avaliação, de diálogo, de construção de bases seguras para uma ação pedagógica emancipatória. Pressupostos outros devem-nos guiar na tessitura destas reflexões, para que os seus frutos sejam produtode um longo processo de diálogo, comunhão, em que não se pode prescindir da humildade, do “respeito pela pessoa e por seu processo de trabalho” conforme Fernandes (2003). Abordando a mesma questão, Fernandes traz à cena o seu conceito de ética relacional, “entendida como relações interpessoais mediadas pelo respeito, humildade e afeto” (idem, ibid.), o que tem se tornado tão necessário e urgente para a convivência, o aprender e o fazer juntos.

Pistas, indicações, trilhas a percorrer


Que Freire não tenha tido tempo de aprofundar as sondas da sua inquietude gnosiológica nas profundezas das questões ético-morais, que se entremostram em sua obra, notadamente nos seus últimos escritos, não é se duvidar; como também seria leviano afirmar que os problemas e casos que tangenciam este tema lhe fossem alheios.
Onde estão as provas desta nossa última assertiva? Na própria vida deste autor, fonte e reflexo de sua rica e multifacetada obra. O seu gosto de viver; a sua busca de comunhão com os homens do seu tempo; o seu desejo de inserir-se nas questões urgentes junto aos tantos atores sociais com os quais conviveu, companheiros seus de trajetória e luta; a sua generosidade em doar-se, humilde, como operário em construção da construção dos tempos novos que ele teimava em anunciar, esperançoso; tudo isso nos remete a um homem e suas virtudes, virtuosidades e virtualidades – um ser que se sabia incompleto, que teimava em ajustar-se coerente ao seu projeto existencial, que exímio artífice de si mesmo, não titubeava em lapidar-se com firmeza e constância, livrando-se das cristalizações das beatitudes contemplativas ou das hipocrisias farisaicas, que tanto prazer lhe dava denunciar.
Como potência, virtualidade, ele buscava o confronto do seu saber e sua prática, indissociáveis e em permanente tensão e diálogo, para buscar a todo instante torná-los mais plenos de boniteza e eticidade, de conteúdos estéticos e ético-morais, de virtudes sim; de virtuosidade, da busca deste aprimorar e aprimorar-se constante, desse lapidar sem fim; de virtualidade, como busca do sempre mais...
Não é possível, dado à exigüidade de tempo, realizarmos no momento a necessária arqueologia das virtudes freireanas. À maneira de um Foucault insone e inquieto, devassaríamos todas as escrituras, vivências, minudências da vida e da obra de Paulo Freire em busca dos traços sim, presentemente marcantes, nítidos de sua ação ético-moral; e é possível que traríamos à luz desde os desenhos ainda rupestres do início do seu itinerário pedagógico, como mostra o imberbe professor de língua portuguesa, que ao ajudar seus alunos a lidar com os mistérios e fascínios da língua já deixa entrever o gosto de viver, de experimentar, de buscar alternativas novas a problemas velhos, até o homem maduro, que do mesmo modo como o jovem professor partejador, socrático, segue na vida construindo junto de tantos companheiros de jornada, dialogicamente, um saber permeado de comunhão amorosa, de doação, de entrega.
Os futuros amantes, arqueólogos da nova geração de pedagogos, tal como sugere Chico Buarque em sua canção, hão de encontrar os vestígios da luz e da sabedoria, do amor e da inteligência, da inquietação e da generosidade que se encontram nítidos e apagados, entremeados de ganga e ouro, de cascalhos e pepitas, deste leito sinuoso, pedregoso, do rio que deixa entrever a trajetória da vida e da obra de Paulo Freire. Por isso não nos afobemos não, pois nada é para já...


Referências Bibliográficas


BUÑUEL, Luis. Meu último suspiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, 364 p.

CALADO, Alder Júlio Ferreira.  Paulo Freire: Sua visão
CANASTRA, Fernando. Uma abordagem narrativa da experiência moral: O relato de uma experiência, em contexto de formação inicial de professores.
FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE SINDICATOS DE TRABALHADORES DA QUÍMICA, ENERGIA, MINAS E INDÚSTRIAS DIVERSAS – PROJETO BRASIL
FERNANDES, Cleoni Maria Barboza. Formação do professor universitário: tarefa de quem? 
FRANCO, Idatí Leme. Formação continuada: uma alternativa para o atendimento das necessidades didático-pedagógicas do professor universitário
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 165 p.

FREITAG, Barbara. Habermas como intelectual. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n.º 138, jul./set. 1999.

HOBSBAWM, Eric. Tempos interessantes: uma vida no século XX São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 482 p.

MELO NETO, João Cabral de. Crime na calle Relator. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1987. p. 31-2.

RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere. Rio, São Paulo, Record, 1998. vol. 1. 378 p.

SCOCUGLIA, Afonso Celso. A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 2001 (3ª edição). 205 p.

Artigo da revista espaço acadêmico nº. 50, disponível no site www.espaço acadêmico.com.br


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ESTADO


Este resumo foi elaborado na aula de Educação, Política e Sociedade, Ministrada pelo professor Halferd Carlos Ribeiro Junior e teve como objetivo evidenciar as principais definições de “Estado” tendo como parâmetro o texto: “Estado” extraído do Dicionário de Conceitos Históricos. Segue o resumo:


Definições de Estado:


Ø     Entidade abstrata que comanda e organiza a vida em sociedade, composta por diversas instituições, de caráter político, que comanda um tipo complexo de organização social;


Ø     É algo inevitável na vida em sociedade e está presente em diferentes épocas.


Ø     É a forma superior de organização política humana.


Ø     Cabe ao Estado o domínio da força e da repressão, a proteção ao território e do povo, o estabelecimento da lei, a manutenção da infraestrutura da sociedade.


Ø     É a forma hegemônica de organização política no mundo contemporâneo.


Ø     Não é o estágio mais elevado da organização das sociedades; é simplesmente uma forma de organização político-social entre outras.


Ø     Do ponto de vista histórico é preciso considerar a grande diversidade de formas de Estado, e não se pode defini-lo em um único conceito.



Bilbiografia:

SILVA Kalina Vanderlei; SILVA. Dicionário de Conceitos Históricos. – 2ª ed. – São Paulo: Contexto, 2006. 



domingo, 17 de outubro de 2010

OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

A leitura deste poema de Vinícius de Moraes foi sugerida  pela professora Gilcia Maria Salomon Bezerra, da base: Ação Docente - Aspectos Históricos e Pedagógicos, em aula ministrada no dia 24/08/2010.


 

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Poesia de Vinicius de Morais



GENIAL DESTE POEMA DE VINÍCIUS DE MORAES JÁ ESTÁ NO TÍTULO. QUEM ESTÁ EM CONSTRUÇÃO É O PRÓPRIO OPERÁRIO, SUA CONSCIÊNCIA DA PRÓPRIA IMPORTÂNCIA E FUNÇÃO. A CLARA PERSPECTIVA DE SUA FUNÇÃO SOCIAL E VALOR, CAPAZ DE LEVÁ-LO A UMA NOVA DIMENSÃO DO MUNDO E SUA INSERÇÃO NELE. PROCESSO QUE VAI DA PERCEPÇÃO, ÍNTIMA, APENAS TÍMIDA ATÉ SUA AÇÃO POLÍTICA, CAPACITANDO-O A MUDAR SEU DESTINO E O DA PRÓPRIA NAÇÃO.

Comentário extraído de: letras.terra.com.br/vinicius-de-moraes

http://literaturas.sites.uol.com.br/poebras3.htm - acesso out / 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

PLURALIDADE CULTURAL

Durante o mês de setembro lemos alguns textos que tratam sobre esse tema tão discutido atualmente: "PLURALIDADE CULTURAL". Após as leituras e socializações com a sala, demos início à pesquisas que culminaram com a produção e apresentação de um plano de aula relativo ao tema. A seguir, um texto produzido pelo grupo e na sequência o plano de aula.


O Brasil possui uma grande riqueza em diversidade cultural, uma sociedade formada por diversas culturas, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs,1997, temos em nosso território cerca de 210 etnias indígenas, descendentes de povos africanos, imigrantes e descendentes de imigrantes. Com isso existe uma grande diversidade nas crenças e religiosidade: católica, evangélica, batista, budista, judeus, mulçumanos, candomblé, espíritas, entre outras.
Esta diversidade cultural é marcada pela descriminalização, preconceito, exclusão social, atitudes que põe uma cultura acima das demais culturas. A Pluralidade Cultural é um assunto que devemos ter mais atenção, trabalhar este tema nas escolas é primordial para o bom desenvolvimento da sociedade, assim diminuindo a visão holística das pessoas.
Segundo PCNs,1997 “Para viver democraticamente em uma sociedade plural e preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem”. Podemos trabalhar este tema com os alunos mostrando que a diversidade cultural é um patrimônio histórico, ultrapassando barreiras e quebrando paradigmas das diferenças etnoculturais.
Apesar de a escola ser o ponto de partida para tratar este assunto, a forma como o tema é trabalhado nas escolas é questionável, pois as diferenças culturais são abordadas apenas em datas comemorativas, dia do índio, dia da consciência negra, dia do descobrimento do Brasil, semana da imigração que na maioria das vezes uma cultura submissa a outra, por este motivo temos conflitos de ideias e entendimento sobe as culturas. Este deve ser o grande obstáculo nas escolas mostrar que uma cultura não é superior a outra, possui apenas características diferentes, doutrina especifica. Trabalhar este tema nas escolas de forma correta seria um grande passo para desenvolver uma sociedade rapaz de entender que as diferenças sociais e culturais são importantes para o desenvolvimento do país.
O tema pluralidade cultural oferece aos alunos oportunidades de conhecimento de suas origens como brasileiros e como participantes de grupos culturais específicos. PCNs, 1997, o que podemos observar nas escolas é que muitos alunos não tem conhecimento da origem de sua família e que a escola é o lugar onde se concentra uma grande diversidade cultural.
Mas este tema não esta apenas vinculada a escola, mas sim a sociedade, trabalhar este tema em diversas frentes seria fundamental para o processo de reconstrução de uma nação exatamente plural culturalmente.
Aceitar as diferenças culturais é importante para evitar o etnocentrismo, isto é, o julgamentos de outros padrões (morais, estéticos, políticos, religiosos, etc.) Aranha, 2006.
Este tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de valorizar as diferenças étnicas culturais não significa aderir aos valores do outro, mas respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade intrínseca, e sem qualquer discriminação. PCNs,1997.
  

EDUCAÇÃO



Quando pensamos em educação imaginamos uma escola fechada por muros, alunos em sala de aula, dispostos em fileiras ou em círculos, com horários pré-definidos e segundo uma sequência pedagógica ministrada pelo professor. Este método de ensino é comum em várias sociedades, mas será que este é a única forma de educação e será a melhor forma de educar?
“Este método de ensino escolar teve inicio na Grécia e vai para Roma, ao longo de muitos séculos da história de espartanos, atenienses e romanos”. Campos,2002
Campos,2002, afirma que estamos em constante aprendizado em casa, na rua, igreja, na escola. Temos um enorme leque para desenvolver nossa. Como podemos observar a educação a educação não é desenvolvida apenas na escola, em todos os lugares da sociedade estamos sendo educados e estamos educando as pessoas, a escola foi estipulada ou formalizada para que o estudo especifico fosse desenvolvido para os mais jovens.
Se pensarmos nos índios que não possuem escolas, mas mesmo assim educam sues filhos em uma troca de conhecimento, que é passado de geração para geração, sem que haja a necessidade de uma escola formal para educar seus herdeiros.

“Sob o regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa administrada indistintamente por todos os elementos do clã. Não há mestres determinados nem inspetores especiais para a formação da juventude: esses papéis são desempenhados por todos os anciões e pelo conjunto das gerações anteriores”. Emile Durkein apud Campos,2002.
Porém, não podemos pensar na educação apenas como uma passagem de conhecimento dos mais antigos para os mais novos, as pessoas não devem se fechar apenas no que é ensinado, mas procurar o que é melhor para seu desenvolvimento na sociedade.
Aranha, 2006, deixa claro que a educação não é a simples transmissão de herança dos antepassados para as novas gerações, mas o processo pelo qual também se torna possível a gestação do novo e a ruptura com o velho. Se imaginarmos a educação apenas como uma transmissão de conhecimento não haveria mudanças na sociedade, tudo seria da mesma forma. O que devemos entender é que a educação está presente a todo o momento na sociedade e que dependemos da educação para formar um país, com regras, princípios, cidadania e democracia.     

sexta-feira, 1 de outubro de 2010


Já dizia Pitágoras: "Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos". Afinal a educação, em seu mais amplo sentido, é fundamental e serve de base para o relacionamento, o crescimento e desenvolvimento das pessoas e do mundo. A educação vinda da escola, dos quadros negros da "Tia Tetéia", passando pela educação familiar tal qual mãe e pai ensinam e passam exemplos para seus filhos é de extrema importância e valia. A educação forma o indivíduo.

Obrigada. Com licença. Por favor. Desculpe. Palavras mágicas que estimulam e desencadeiam reações positivas e que são tão fáceis de pronunciar, hoje em dia são escassas e parecem jogadas num poço sem fundo. Fora o bom senso que parece ter desaparecido do mapa. Além é claro, da educação escolar, alfabetização e conhecimentos gerais... Vamos combinar, as crianças de hoje em dia, se não cobradas e orientadas por seus pais e responsáveis, não querem saber de estudar, de aprender. A não ser, é claro, a jogar um novo game, ou a acessar um novo site na internet, ou aprender a letra daquela música que está estourando nas paradas de sucesso... A educação estimula a criação, a invenção, a descoberta e cria homens capazes de ir além daquilo que já foi produzido por outras gerações.
"O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele". Immanuel Kant

Neste sentido é muito importante a educação, no significado mais amplo da palavra, para a formação e desenvolvimento de qualquer pessoa. Afinal o VALOR MAIOR está aí. Presente naquilo que somos e que transmitimos para os demais.

Mas de tudo o que somos, que temos, que transmitimos ou representamos, será mesmo que o que tem VALOR MAIOR é a educação?

"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". Paulo Freire

QUAIS SÃO OS PROFISSIONAIS MAIS IMPORTANTES DA SOCIEDADE?

“...Num tempo não muito distante do nosso, a humanidade ficou tão caótica que os homens fizeram um grande concurso. Eles queriam saber qual a profissão mais importante da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande torre dentro de um enorme estádio com degraus de ouro, cravejados de pedras preciosas. A torre era belíssima. Chamaram a imprensa mundial, a TV, os jornais, as revistas e as rádios para realizarem a cobertura.

O mundo estava plugado no evento. No estádio, pessoas de todas as classes sociais se espremiam para ver a disputa de perto. As regras eram as seguintes: cada profissão era representada por um ilustre orador. O orador deveria subir rapidamente num degrau da torre e fazer um discurso eloqüente e convincente sobre os motivos pelos quais sua profissão era a mais importante da sociedade moderna. O orador tinha de permanecer na torre até o final da disputa. A votação era mundial e pela Internet.

Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa. A categoria vencedora receberia prestigio social, uma grande soma em dinheiro e subsídios do governo. Estabelecidas as regras, a disputa começou. O mediador do concurso bradou: “O espaço esta aberto! “

Sabem quem subiu primeiro na torre? Os educadores? Não! O representante da minha classe, a dos psiquiatras.

Ele subiu na torre e a plenos pulmões proclamou: “As sociedades modernas se tornarão uma fábrica de estresse. A depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto pela existência. Muitos desistem de viver. A indústria dos anti depressivos e tranqüilizantes se tornou a mais importante do mundo.” Em seguida, o orador fez uma pausa. O público, pasmo ouvia atentamente seus argumentos contundentes.

O representante dos psiquiatras concluiu: “O normal é ter conflitos, e o anormal é ser saudável. O que seria da humanidade sem os psiquiatras? Um albergue de seres humanos sem qualidade de vida! Por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos, juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da sociedade!”

No estádio reinou um silêncio. Muitos na platéia olharam para si mesmos e perceberam que não eram alegres, estavam estressados, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente agitada, dores de cabeça. Milhões de expectadores ficaram com a voz embargada. Os psiquiatras pareciam imbatíveis.
Em seguida o mediador bradou: “O espaço esta aberto!”  Sabem quem subiu depois? Os professores? Não! Os representantes dos magistrados – os juízes de direito.

Ele subiu num degrau mais alto e num gesto de ousadia desferiu palavras que abalavam os ouvidos: “Observem os índices de violência! Eles não param de aumentar. Os seqüestros, os assaltos e a violência no trânsito enchem as páginas dos jornais. A agressividade nas escolas, os maus-tratos infantis, a discriminação racial e social fazem parte da nossa rotina. Os homens amam seus direitos e desprezam seus deveres.”

Os ouvinte menearam a cabeça, concordando com os argumentos. Em seguida o representante dos magistrados foi mais contundente: “O tráfico de drogas movimenta tanto o dinheiro como o petróleo. Não há como extirpar o crime organizado. Se vocês querem segurança, aprisionem-se dentro de suas casas, pois a liberdade pertence aos criminosos. Sem juízes e os promotores, a sociedade se esfacela. Por isso, declaro, com o apoio dos promotores e do aparelho policial, que representamos a classe mais importante da sociedade.”

Todos engoliram em seco essas palavras. Elas perturbavam os ouvidos e queimavam na alma. Mais pareciam incontestáveis. Outro momento de silêncio, agora mais prolongado. Em seguida, o mediador, já suando frio, disse: “O espaço está novamente aberto!”

Um outro representante mais intrépido subiu num degrau mais alto da torre. Sabem quem foi dessa vez? Os educadores? Não!

Foi o representante da s forças armadas. Com uma voz vibrante e sem delongas, ele discursou: “Os homens desprezam o valor da vida. Eles se matam por muito pouco. O terrorismo elimina milhares de pessoas. A guerra comercial mata milhões de fome. A espécie humana se esfacelou em dezenas de tribos. As nações só se respeitam pela economia e pelas armas que possuem. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra. Os poderes econômicos e bélico, e não o diálogo, são dos fatores de equilíbrio num mundo espúrio.” Suas palavras chocaram os ouvintes, mas eram inquestionáveis. Em seguida, ele concluiu: “o sono seria um pesadelo. Por isso, declaro, quer se aceite ou não, que os homens das forças armadas não são apenas a classe profissional mais importante, mas também a mais poderosa.” A alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atônitos.
Os argumentos dos três oradores eram fortíssimos. A sociedade tinha se tornado um caos. As pessoas do mundo todo, perplexas, não sabiam qual atitude tomar: se aclamavam o orador, ou se choravam pela crise da espécie humana, que não honrou sua capacidade de pensar.

Ninguém mais ousou subir na torre. Em quem votariam?

Quando todos pensavam que a disputa havia se encerrado, ouviu-se uma conversa no sopé da torre. De quem se tratava? Desta vez eram os professores. Havia um grupo deles da pré-escola, do ensino fundamental, do médio e do universitário. Eles estavam encostados na torre dialogando com um grupo de país. Ninguém sabia o que estavam fazendo. A TV os focalizou e projetou num telão. O mediador gritou para um deles subir na torre. Eles se recusaram.

O mediador os provocou: “Sempre há covardes numa disputa.” Ouve risos no estádio. Fizeram chacota dos professores e dos pais.

Quando todos pensaram que eles eram frágeis, os professores, com incentivo dos pais começaram a debater as idéias, permanecendo no mesmo lugar. Todos se faziam representar.

Um dos professores, olhando para o alto, disse para o representante dos psiquiatras: “Nós não queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que eles não adoeçam e sejam tratados por vocês.”

O representante dos psiquiatras recebeu um golpe na alma.

Em seguida, um outro professor que estava no lado direito da torre olhou para o representante dos magistrados e disse: “Jamais tivemos a pretensão de ser mais importantes do que os juízes. Desejamos apenas ter condições para lapidar a inteligência dos nossos jovens, fazendo os amar a arte de pensar e aprender a grandeza dos direitos e dos deveres humanos. Assim esperamos que jamais se sentem num banco dos réus.” O representante dos magistrados tremeu na torre.

Uma professora do lado esquerdo da torre, aparentemente tímida, encarou o representante das forças armadas e falou poeticamente: “Os professores do mundo todo nunca desejaram ser mais poderosos nem mais importantes do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes no coração das nossas crianças. Almejamos levá-las a compreender que cada ser humano não é mais um número na multidão, mas um ser insubstituível, um ator único no teatro da existência.”

A professora fez uma pausa e completou: “Assim, eles se apaixonarão pela vida, jamais farão guerras, sejam guerras físicas que retiram o sangue, sejam as comerciais que retiram o pão. Pois cremos que os fracos usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver seus conflitos. Cremos ainda que a vida é obra-prima de Deus, um espetáculo que jamais deve ser interrompido pela violência humana.”

Os pais deliraram de alegria com essas palavras. Mas o representante do judiciário quase caiu da torre.

Não se ouvia um zumbido na platéia. O mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os simples professores que viviam no pequeno mundo das salas de aula fossem tão sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento.

Vendo ameaçado o êxito da disputa, o mediador do evento quase arrogantemente: “Sonhadores! Vocês vivem fora da realidade!” Um professor destemido bradou com sensibilidade: “Se deixarmos de sonhar, morreremos!”
Sentindo-se questionado, o organizador do evento pegou o microfone e foi mais longe na intenção de ferir os professores: “Quem se importa com os professores na atualidade? Comparem-se com outras profissões. Vocês não participam das mais importantes reuniões políticas. A imprensa raramente os noticia. A sociedade pouco se importa com a escola. Olhem para o salário que vocês recebem no final do mês!” uma professora fitou-o e disse-lhe com segurança: “Não trabalhamos apenas pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.”

Irado, o líder do evento gritou: “Sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores os estão substituindo! Vocês são indignos de estar nesta disputa.”

A platéia, manipulada, mudou de lado. Condenaram os professores. Exaltaram a educação virtual. Gritaram em coro: “Computadores! Computadores! Fim dos professores!” O estádio entrou em delírio repetindo esta frase. Sepultaram os mestres. Os professores nunca haviam sido tão humilhados. Golpeados por essas palavras, resolveram abandonar a torre.

Sabem o que aconteceu?

A torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que estavam segurando a torre. A cena foi chocante. Os oradores foram hospitalizados. Os professores tomaram então outra atitude inimaginável: abandonaram, pela primeira vez, as salas de aula.

Tentaram substituí-los por computadores, dando uma máquina para cada aluno. Usaram as melhores técnicas de multimídia. Sabem o que ocorreu?

A sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A dor e as lágrimas se expandiram. O cárcere da depressão, do medo e da ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e os crimes se multiplicaram. A convivência humana, que já estava difícil, ficou intolerável. A espécie humana gemeu de dor. Corria o risco de não sobreviver...

Estarrecidos, todos entenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público  nunca pensara que os professores fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e inteligente entre nós. Descobriu-se que o pouco de luz que entrava na sociedade vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam seus filhos.

Todos entenderam que a sociedade vivia uma longa e nebulosa noite. A ciência, a política e o dinheiro não conseguiam superá-la. Perceberam que a esperança de um belo amanhecer repousa sobre cada pai, cada mãe e cada professor, e não sobre os psiquiatras, o judiciário, os militares, a imprensa....

Não importa se os pais moram num palácio ou numa favela, e se os professores dão aulas numa escola suntuosa ou pobre – eles são a esperança do mundo.

Diante disso, os políticos, os representantes das classes profissionais e empresários fizeram uma reunião com os professores e cada cidade de cada nação. Pediram desculpas e rogaram para que eles não abandonassem seus filhos.

Em seguida, fizeram uma grande promessa. Afirmaram que a metade do orçamento que gastavam com armas, com aparato policial e com a indústria dos tranqüilizantes e dos antidepressivos seria investida na educação. Prometeram resgatar a dignidade dos professores, e dar condições para que cada criança da Terra fosse nutrida com alimentos no seu corpo e com o conhecimento na sua alma. Nenhuma delas ficaria mais sem escola.

Os professores choraram. Ficaram comovidos com tal promessa. Há séculos eles esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram patamares insuportáveis.

Mas, como sempre trabalharam como heróis anônimos e sempre foram apaixonados por cada criança, cada adolescente e cada jovem, os professores resolveram voltar para a sala de aula e ensinar cada aluno a navegar nas águas da emoção.

Pela primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz começou a brilhar depois da longa tempestade.... No final de dez anos os resultados apareceram, e depois de vinte anos todos ficaram boquiabertos.

Os jovens não desistiam mais da vida. Não havia mais suicídios. O uso de drogas dissipou-se. Quase não se ouvia falar mais de transtornos psíquicos e de violência. E a discriminação? O que é isso? Ninguém se lembrava mais do seu significado. Os brancos abraçavam afetivamente os negros. As crianças judias dormiam na casa das crianças palestinas. O medo se dissolveu, o terrorismo dês? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender mazelas e lágrimas humanas.  Vendiam sonhos, anunciavam a esperança...

Quando esta história se tornará realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele deixará de ser apenas um sonho.
 (CURY, Augusto - págs. 159 a 167 – Pais brilhantes – Professores fascinantes – Ed.Sextante - 2003)